Sozinha em casa há mais de uma semana já sente a loucura e a doçura da chamada solidão. Arrumou os livros da estante em ordem alfabética, remendou o furo da cortina e lustrou a porcelana que herdou da avó paterna. Era centrada e responsável, porém, perdeu o emprego enquanto sonhava com os pilares da cidade baixa. Os sonhos a perseguiam como cães raivosos, porém, doces como borboletas monocromáticas. Imaginava um mundo de cores inexistentes, cores jamais vistas por qualquer ser humano que possa respirar com facilidade. Cores com nomes incapazes de serem pronunciados. Rostos monstruosos e atenuantes, sorrisos que encantam e amedrontam ao mesmo tempo. De onde surgiram tais idéias, ninguém sabe. Mas não há filósofo de mil anos que possa, mesmo com toda sua experiência, explicar o que a mente humana pode criar a partir de sentimentos indescritíveis. Ela queria que todos aqueles sonhos se tornassem realidade, mas pra isso teria de escolher entre o real e o imaginário. Ela ficou com a segunda opção, mas pediu o direito de troca, caso o imaginário a ferisse com suas mil faces, tão volúveis. Mil dimensões se criaram então. O apartamento de quatro cômodos se tornou infinitamente cheio de possibilidades. Criaturas por toda a parte, rostos, quadris, olhares escondidos atrás de máscaras questionáveis. Ela se encantou tão fielmente pelo imaginário que descartou de cara a realidade, se despediu brevemente e se jogou no poço de mil finalidades. Poderia ser o que quisesse, de mil tamanhos e cores, podia brilhar, reluzir, criar dimensões dentro do seu próprio corpo. Não tinha mais nome, nem alma. Eram só sua mente e o quarto de parede branca. Quem ali entrava se admirava. Ela não se movia, só sentia, com seus olhos imóveis criando milhares de novas situações. Jamais se comunicou com o mundo real novamente, morreu dentro da loucura, da sua felicidade eterna.
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