quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

If I was young, I'd flee this town...


Nem café, nem chá. Quando se perde a fé, perde-se também o paladar. Nada, gosto algum. A morte não veio acompanhada de aroma algum. A morte não veio, talvez tenha sido este o erro. A lâmina esquentava no bolso de traz da calça apertada, enrolada num grande pedaço de tecido revestido de couro, que há dias na última gaveta do armário cheirava a boi morto. O sangue escorreria melodicamente, seria bonito de se ver. A dor arderia aos olhos, banharia os olhos de arrependimento e, num último ato, mancharia o tapete branco de veludo da bisavó, sua única herança, a única que se sujeitou a aceitar. Era bonito o tapete, era de se admirar, e a textura, que textura! Era um orgasmo de textura, só provando, daquelas sensações únicas. Se recusa a deixar que a comparem com qualquer outra textura do mundo, por mais mesquinha que fosse, sua textura sempre seria a melhor, a textura da vovó. Fora tão sincero, discreto, nada planejado, ou talvez houvesse sido planejado. A verdade é que todos os dias seriam bons dias, todos se encaixariam no plano, bastasse a coragem de executa-los, bastasse a vontade, e então, não seriam mais planos. Alias, agora, depois, seriam realidades, ou passado. Ninguém se lembraria daquela data, de uma forma ou outra, nem ela se lembraria, até porque, talvez, agora, estaria morta.

- E os rolos? – soou o alarme da salvação.

O que? Que barulho é esse? Porque? Tinha que ser agora? Alias, que merda é essa? Talvez devesse sorrir, seria essa a deixa pra respirar mais uma vez antes do corte final? Bom, não. Que susto! Olhos intactos no tapete, que agora escondia a lâmina, tão bem, por debaixo dos olhos amedrontados e do suor latente. Restava sorrir, ou gargalhar, histericamente, como se o mundo lhe desse uma nova chance, inédita, essa que vinha com uma piada de presente. Só restava, histericamente, novamente, sorrir. Mas agora sorrir com os olhos, com corpo e alma. Como se alguém lhe libertasse a visão, libertasse seu corpo à vida. Acordaram-na no momento da queda, não há porque se assustar.

- Rolos? – sorriu, riu, gargalhou.

Que merda, que sonho, que vitória. Os rolos a salvaram de si mesma, ele a salvou de si mesma. Ele? Quem? Um amigo. Amigo, desde quando amigos? Porque amigos? Amigos, somente. Um conhecido, recém-chegado à família, um novo rosto pintado de branco, com nariz vermelho. Um poeta da alma. Agora sim, sorrir, sem histeria, só sorrir. Talvez devesse agradecer, trufas de avelã, talvez. Distante aos olhos e mãos, trufas não gostam de se expressar. Um obrigado era o bastante. Um muito obrigado. Ou, talvez, um porquê. Porque? Porque não deixou que aquela alma vingasse a si própria. Porque não cessar o sofrimento? Porque não tardar? Optou por tardar, ou talvez cessar, mas só o sofrimento. Só o sofrimento. Questionamentos, não, não agora. Contentou-se em celebrar o sorriso da menina. Mas na outra mente os questionamentos jamais cessariam. Jamais. Mudar de assunto, isso, mudar o tema.

- Déficit.
- Oi?
- Atenção... déficit.
- Sim, sei. Tenho quando bebo ou me canso, ou me desapercebo.

Déficit, mil assuntos pendentes, déficit. O repertório, sem dúvidas, era bem mais extenso, mas não, não. Déficit era perfeito, ao menos pro momento, ao menos pra si mesma. Era real, pense por esse lado. Talvez devesse agradecer, mas agradecer significava ter de lhe contar todos os seus segredos nada ocultos, ter de quebrar o protocolo e ser a louca, mais uma vez, mais uma. Talvez fosse melhor esquecer os 2 últimos 
minutos.

- Talvez me chame de louca, mas devo agradecer, por... por me salvar. -  Salvar? Tem certeza que quer usar essa palavra? Parece tão dramático.

Reeditemos.

- Talvez me chame de louca, mas você acaba de evitar algo desastroso.
- O que ia fazer?
- Cortar algumas veias – entristeceu-se, digamos que a verdade, nua, crua, dói.
- Tá louca? Nem pense nisso.
- Sabia que ia me chamar de louca.
- Já fiz isso, sei como é.
- Eu também sei como é.

Sabia como era os dois lados. O lado de quem escuta a notícia, e o lado de quem se desespera por ajuda, por compaixão. Já esteve em ambos os lados duas, quatro, seis vezes.

- É!
- Não, não é! – mil coisas pra dizer, mil sonhos descritos e mil palavras de consolo e coragem. Seu repertório era extenso, era dramático, era sincero. Real, intenso, era.. real. E ouvir, e ler, e sentir tudo aquilo era mais real ainda.
- É, realmente não é, não.

Ouviu, calada, pensando em repetir o ato enquanto ele discursava sobre novas perspectivas. Porque ele era tão grande? Porque é? Como consegue se sobressair? Porque ela se sentia tão pequena perto da sua coragem?

...




- Café e chá, grandes qualidades literárias – riu avesso à própria piada.
- Tão previsível, não?
- Não, é você. Deve ser o bastante.
- É!
- Pimenta!
- Oi?
- Pimenta. Talvez devesse botar pimenta pra ver o que dá, pra arder, pra ser mais intenso.

Pimenta? Sim, pimenta. Um novo tempero, pra um novo início. Mas pimenta, pimenta é tão, é tão cotidiano. Mas sim, pimenta, gostou da ideia. Mas como juntar pimenta ao café? E ao chá?
A resposta não estava na junção. Era hora de reprimir o uso, praticar o desapego. Ser o outro lado, a outra face esquecida. Era hora de evitar o café, desconsiderar o chá. Hora de comer, hora de temperar. Nada de sal. Pimenta, pimenta e nada mais.



 Digamos que o destino não é justo. 
O destino.
Destino.
Oh!
Mas mesmo no auge da sua injustiça,
sabe ser justo
e justificar 
toda a injustiça
com um punhado
de amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário