Cadê o café? Espera, são quase
dez da noite, mas dormir por hoje já era algo fora de cogitação. Enfim, sabe
aquela velha história de que eu não seria capaz de viver sem você? Tão clichê,
tão antiquada, tão sincera, tão.. real. Nunca pensei que um sorriso pudesse
fazer tanta falta. Onde estão aqueles olhos de infelicidade, tão acima da
realidade, tão sóbrios. Se eu pudesse te roubar algo, talvez pegaria toda
aquela tua confiança. Talvez eu saísse por aí cantando as garçonetes de Londres
no meu conversível pago com o dinheiro da faculdade. Pra que medo quando se tem
um mundo inteiro de possibilidades, onde pelo menos vinte e cinco por cento
prometem resultados não duradouros, porém valiosos. E talvez eu lhe roubasse o
poder imensurável de ler mentes, pelo menos a minha você era capaz, não sei o
que seria de você sem o seu super poder, não sei o que seria de nós. Você
sempre traria o sabor errado, sempre me faria escutar músicas sem sentido, mas
sempre com a certeza de que no fundo, eu me apaixonaria pelo sabor e pela
melodia. Você sabia coisas que eu ainda não sabia sobre mim. Creio que você me
moldou, não da melhor forma, me lembro bem o motivo da primeira tragada de
cigarro. Mas, foi bom, aprender todas aquelas coisas inúteis sobre carros e
sobre o mercado imobiliário. Pra ser sincera, eu pensava em mil outras coisas
enquanto você falava sobre a economia, era tentador demais, me perdoe. Já te
disse o quanto era injusto aqueles seus cachos castanhos e maltratados? Sério,
era a coisa mais ridícula e charmosa do mundo, nada são. Não vou ficar aqui
citando milhões de coisas irritantes ao seu respeito. Não vou me derreter em
lágrimas enquanto o mundo se desmorona em crenças sobre o fim dos tempos. Não
vou chorar no meu último mês de existência, vou sorrir, fazer mil piadas sobre
o tais crenças, e me covencer de que o seu olhar se compara a qualquer um dos
milhares jogados por aí. É engraçado eu ainda me lembrar de todos os detalhes,
seria mais justo se eu pudesse esquecer de todos eles, sei La, apagar da
memória o seu perfume importado e aquela mania insuportável de ligar toda vez
que se relacionava com alguém, poxa, não preciso saber de quantas vezes todas
elas gritaram ou sentiram prazer, mas, de uma forma, ridícula, eu adorava te
ver feliz, exibindo troféus por aí, fingindo que todos os problemas do mundo
nem sequer tocavam teus mindinhos. Eles realmente não o tocavam. Pra você era
tão simples balançar os ombros e fingir que reinava sobre todos os mundos. O
fato é que eu sinto a sua falta, não dos beijos, ou abraços, mas de você. Da
coragem de mil homens, da segurança, do medo de não viver o suficiente. Sinto
falta de um ser humano que me ensinou a ser humana. Saudade de um dia sentir
que eu sou capaz de viver sem você, ou fingir que era.
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